10.8.09

Entrevista sobre o novo acordo ortográfico da Língua Portuguesa com o prof. Dr. Maurício Pedro da Silva



O prof. Dr. Maurício Pedro da Silva, Coordenador da Pós-Graduação Lato Sensu em Educação, na Universidade Nove de Julho. Editor científico da Revista Dialogia (ISSN: 1677-1303). Professor de Literatura Brasileira (graduação e pós-graduação) na Universidade Nove de Julho, cedeu algumas palavras para o blog sobre o novo acordo ortográfico da Língua Portuguesa. O professor possui doutorado e pós-doutorado em Letras Clássicas e Vernáculas pela Universidade de São Paulo. também é pesquisador do Instituto de Pesquisas Linguísticas Sedes Sapientiae para Estudos de Português (PUC-SP). Autor dos livros: O Pensamento Dominado. Estrutura e Prática do Texto Dissertativo (Plêiade, São Paulo, 1998); Sentidos Secretos. Ensaios de Literatura Brasileira (Altana, São Paulo, 2005); A Hélade e o Subúrbio. Confrontos Literários na Belle Époque Carioca (São Paulo, Edusp, 2006); O Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (São Paulo, Contexto, 2008); Ortografia da Língua Portuguesa. História, Discurso, Representações (São Paulo, Contexto, 2009). Maurício também Possui trabalhos publicados em livros e periódicos diversos, nacionais e estrangeiros.




E.M. Não é novidade na Língua Portuguesa os acordos ortográficos, de tempos em tempos, principalmente, Brasil e Portugal discutem algumas reformulações ortográficas, como a de 1971(Lei n.º 5765 de 18 de Dezembro), em que foi abolido o acento circunflexo na distinção dos homógrafos, responsável por 70% das divergências ortográficas com Portugal, e os acentos que marcavam a sílaba subtônica nos vocábulos derivados com o sufixo -mente ou iniciados por -z-. Na sua visão, qual o verdadeiro objetivo desses acordos?

M.S.:São dois os objetivos alegados pelos idealizadores dos acordos: simplificação e unificação da ortografia. O Problema é que todos esses acordos – e o mesmo acontece com o Novo Acordo, de 1986/1990 – nem simplificam, nem unificam a língua portuguesa. Não simplificam, porque há muitas regras supostamente desnecessárias que ainda permanecem vigentes; há outras que não existiam e passaram a existir; há muitos casos de uso facultativo da grafia, o que torna, às vezes, a situação ainda mais complexa; há, enfim, omissões e imprecisões nas bases do acordo. Não unificam, pois em vários casos as diferenças ortográficas continuam valendo, o que resulta na continuidade de um vocabulário ortográfico duplo para o Português. Assim, os acordos acabam tendo mais objetivos políticos, ligados por exemplo ao prestígio das academias, à imposição de determinados modelos ortográficos etc., do que um objetivo “puramente” linguístico.


E.M.: A unificação atinge quais países?


M.S.: Ela atinge um total de oito países: Portugal; Brasil; cinco países africanos (Angola, Cabo Verde, Moçambique, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe); e Timor Leste.


E.M.: Na sua opinião, no atual acordo ortográfico, há uma efetiva clareza nas novas regras? Onde podemos encontrar possíveis problemas?


M.S.: Na minha opinião, o acordo como um todo é desnecessário, pois, como disse antes, não cumpre os dois principais objetivos para os quais foi idealizado: a simplificação e a unificação ortográficas. É preciso entender a lógica de alguns fatos ortográficos para se avaliar a necessidade ou não do acordo. É o caso da acentuação, por exemplo. Os acentos existem para neutralizar as diferenças gráficas: se eu acentuo as oxítonas terminadas em -a, -e, -o (vatapá, jacaré, jiló) e as paroxítonas terminadas em –i, -u (táxi, vírus), neutralizei as variações e resolvi o problema da prosódia de boa parte dos vocábulos em Português. Ocorre que o acordo acaba se atrapalhando em alguns casos, resultando em algumas propostas vagas que nem simplificam, nem unificam. Veja o caso dos acentos diferenciais: o acordo prevê a eliminação de alguns deles, a manutenção obrigatória de outros e a utilização facultativa de outros... Cumpre perguntar: afinal o acento diferencial é ou não é importante? Qual o sentido de um acordo que propõe, para um mesmo fato, três “lógicas” diferentes? Outros problemas maiores ainda permanecem em relação ao uso do hífen: há casos em que o hífen permanece como era antes; há casos em que desaparece das palavras; e há casos em que passa a existir, onde antes não existia. E o pior de tudo é que, em razão das indefinições e das lacunas do acordo, isso se torna ainda mais difícil, a ponto de, se consultarmos três ou quatro dicionários reformados, encontrarmos formas vocabulares distintas. Dou apenas um exemplo: as bases do novo acordo definem que alguns termos devem ser grafados de forma aglutinada (isto é, sem o hífen), caso os seus componentes tenham perdido, em certa medida, a noção de independência. Ora, o que quer dizer em certa medida? Para mim, a noção de independência está presente tanto em pára-quedas, quanto em guarda-chuva, sem falar em bate-boca, cabra-cega etc. E, no entanto, muitos relutam em grafar esses vocábulos sem o hífen. Daí o relativo caos que vivemos em termos de ortografia neste momento de transição.


E.M.: As mudanças, basicamente, ocorrem na língua oral ou escrita? Esse novo acordo também atinge a prosódia das palavras?


M.S.: O Novo Acordo se volta fundamentalmente para a escrita, dão o fato de ser um acordo ortográfico... Isso não quer dizer que a prosódia não seja afetada, como acontece, por exemplo, com a eliminação do trema. O acordo propõe a eliminação do trema, que, de fato, já não é mais utilizado em Portugal (oficialmente) e no Brasil (extraoficialmente). Mas, no Brasil, temos duas posições distintas: ou não é utilizado conscientemente, como fazem alguns órgãos da imprensa escrita, sob a alegação de que estariam adiantando uma tendência generalizada, o que me parece um argumento sem sentido; ou não é utilizado simplesmente por não se saber como fazê-lo. Portanto, tudo conspira para sua eliminação. Ocorre que, a meu ver, o trema é um acento necessário para o esclarecimento de alguns equívocos! Qual seria a pronúncia normativa e padrão das palavras “distinguir” e “quinquagésimo” (aqui escritas propositalmente sem trema)? Só a grafia pode esclarecer que, no primeiro caso, não temos o “u” pronunciado, devendo-se grafar e falar “distinguir” (e, não, como diz a maioria: “distingüir”) e, no segundo caso, deve-se optar por “qüinquagésimo” (e, não, como diz a maioria: “quinquagésimo”). Há ainda alguns falantes que dizem “adqüirir”, quando a pronuncia e a grafia normativas é “adquirir”. Esse é apenas um dos casos problemáticos do novo acordo, ligado à pronúncia das palavras.


E.M.: Na sua visão, quando surge um acordo ortográfico, qual o tempo de assimilação da sociedade para incorporar essas novas regras?


M.S.: Isso depende muito de cada país: quanto maior for o empenho em se disseminar o acordo, mais rápida e fácil a assimilação. No Brasil, teremos quatro anos para nos adaptarmos às novas formas; em Portugal, seis. Mas, no Brasil, há um empenho governamental, um tour de force editorial, um apoio dos meios de comunicação para que o acordo entre rapidamente em vigência. Já em Portugal, verifica-se um esforço no sentido contrário, já que as resistências são mais largas e mais profundas. Isso acaba determinando como o acordo é assimilado por cada população. De qualquer maneira, nessa fase do acordo, ainda teremos várias dificuldades que serão sanadas aos poucos, já que tanto a estabilização das diferenças ortográficas quanto a eliminação dos equívocos do acordo necessitam de tempo.


Nesses links, você encontra alguns vídeos do professor falando sobre o novo acordo:





Publicações de Maurício Pedro da Silva relacionadas ao novo acordo:

http://editoracontexto.com.br/livro.php?livro_id=415

http://www.editoracontexto.com.br/livro.php?livro_id=443